Ouçam essa mulher!

28 02 2008

Há gente para todos os gostos: saudosistas dos bondes, adoradores do metrô, fãs da bicicleta, aficcionados por motocicletas, os que não trocam andar de carro por nada… Pode ver que você também tem uma quedinha por algum meio de transporte. Por isso, a gente pode passar a vida inteira discutindo qual o melhor meio para a cidade e não chegar a lugar nenhum. Cada um diz o que é mais adequado para sua rotina, tenta convencer os outros com sua utopia de cidade e, na ausência de consenso, tudo fica do jeito que está.

Mas a gente também pode se perguntar como, por quem e para quem são tomadas as decisões sobre transportes na cidade. Seguindo a pista das toneladas de asfalto que cobrem as ruas de São Paulo (inclusive aquelas que outrora eram belas passagens de paralelepípedos ou outras pedras), logo descobrimos as estruturas de poder que determinam como você e eu podemos ou não nos movimentar. É assim que percebemos, por exemplo, que falta alguém para olhar para nossa região metropolitana como um todo, ou seja, para esse conjunto de 39 municípios onde vivem algo em torno de 20 milhões de pessoas.

Exemplo banal: o ônibus intermunicipal, cujas passagens, aliás, acabam de ser reajustadas. Tarifas de ônibus que ligam São Paulo a Osasco ou ao ABC, chamados de intermunicipais, deveriam fazer justiça a quem mora longe. Grande parte da população que mora longe (não estou me referindo a Alphaville) acaba sendo duas vezes vítima: de um processo maluco de crescimento e especulação imobiliária e da ausência de uma política de fato metropolitana para os transportes.

Mais um exemplo? Os táxis para o Aeroporto Internacional de Guarulhos cobram dos passageiros que saem ou que vão para São Paulo um adicional de 50%, por transitarem em municípios diferentes. Como, nesse caso, não há governo nenhum olhando por cima da fronteira de seu território, o absurdo não é resolvido de maneira racional pelo Estado. É precariamente resolvido, por baixo do pano, por alguns taxistas, que, para não perder clientela, livram seus passageiros da cobrança. Usando uma expressão da minha avó: Não é o fim da picada?

A falta de integração metropolitana ajuda a compreender por que ainda estamos longe do razoável em matéria de transportes. Na Europa, a temática metropolitana chegou com força na década de 1960. Na França, regiões metropolitanas foram criadas para fazer um contrapeso a Paris – até então a única grandona do país. Os diversos eixos da política urbana de Londres são tratados de maneira integrada por uma autoridade metropolitana e é assim que questões de mobilidade são tratadas até hoje. Nas grandes cidades da Alemanha, o bilhete de transporte público cobre enormes áreas, abrangendo dezenas de localidades. Não é preciso pagar nada a mais.

Por tudo isso, vale a pena prestar atenção no que Anna Tibaijuka, diretora do UN-Habitat, tem a nos dizer. Se não der tempo para ler toda a entrevista feita pela repórter Adriana Carranca, fique com esse trechinho:

Qual o maior desafio para São Paulo?
No caso de São Paulo, a governabilidade tem se tornado um problema, uma vez que a área urbana se espalhou para além das divisas da cidade. O principal desafio, portanto, é estabelecer uma estrutura metropolitana que responda aos desafios de toda a aglomeração urbana em torno da metrópole. Em outras palavras, você precisa estabelecer uma estrutura de governo local (metropolitano) que trate desses dos problemas em comum – principalmente controle da poluição, transporte, crime e pobreza – de forma estruturada.

Região Metropolitana de São Paulo

 (Na imagem do Google Earth, parte da Região Metropolitana de São Paulo. Você consegue ver onde estão as fronteiras entre os municípios?)

Originalmente publicado no Planeta Sustentável em 28/02/2008, às 02:22


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