Ontem ouvi com atenção o que Jürgen Heyen-Perschon tinha a dizer sobre o “colapso do trânsito em metrópoles de países em desenvolvimento”. Jürgen é o diretor executivo do braço europeu da ITDP, uma das mais respeitadas organizações especializadas em transporte com influência nos cinco continentes. A ITDP, por exemplo, foi uma das entidades que tentaram fazer dos transportes urbanos um dos Objetivos do Milênio das Nações Unidas, o que acabou não acontecendo.
A receita da ITDP para romper o ciclo de dependência ao automóvel nos países para o Terceiro Mundo – ou para as “economias emergentes” ou o “mundo em desenvolvimento” conforme o eufemismo que se queira ter – é simples e poderia ser resumida em 3 Bs.
O primeiro B vem de “bus rapid transit” (BRT), em português às vezes traduzido como “veículo leve sobre pneus”. Mas o que importa no BRT não é o peso do veículo (como o “VLP” sugere), mas a eficiência de um sistema de ônibus com alta freqüência e alta velocidade. Operando em faixas exclusivas, os ônibus do BRT realizam os trajetos em menos tempo que automóveis particulares ou ônibus comuns.O embarque e o desembarque acontecem rapidamente, porque o bilhete é adquirido fora dos veículos ou tudo acontece por cartões eletrônicos. E, para o BRT funcionar melhor ainda, o sistema pode usar combustíveis menos poluentes, pode promover a integração com meios de transporte não-motorizados, pode ter prioridade nos cruzamentos que encontrar pela frente e pode contar com um sistema de informação ao usuário por painéis eletrônicos. Para os entusiastas, o BRT seria uma alternativa tão atrativa quanto, mas bem mais barata que o metrô.
O segundo B abrevia bicicleta, meio de transporte não-motorizado que não pode faltar no discurso sustentável sobre mobilidade urbana. Vale a pena lembrar que, nas décadas de 1920 e 1930, 80% das viagens em algumas cidades européias eram feitas sobre duas rodas. O quadro mudou radicalmente no pós-guerra, por causa do automóvel. A idéia, agora, é tentar “recuperar terreno perdido” ou, em cidades de países em desenvolvimento, evitar que a motorização dê forma a lugares insustentáveis. Jürgen também cita um estudo que conclui que o custo de uma viagem de bicicleta é menor do que o custo de uma viagem a pé, se o valor do tempo gasto em movimento for monetarizado.
Por fim, uma boa síntese de tudo isso: Bogotá, onde uma profunda reestruturação urbana se deu a partir da reorganização dos sistemas de transporte. O BRT, conhecido pela marca Transmilenio, funciona de maneira exemplar há oito anos (aliás, o aniversário acontece na semana que vem). A expansão da infra-estrutura para ciclistas ”turbinou” o uso da bicicleta no dia-a-dia. São mais de 320 quilômetros de ciclovia na capital colombiana. Tudo isso não seria possível sem a liderança exercida pelo então prefeito Enrique Peñalosa, que, depois do sucesso do Transmilenio, já foi cotado até para presidente da Colômbia.
A fórmula dos 3Bs (esclarecida ao longo de uma hora e meia) me pareceu simples demais para gerar convincentes soluções para as 23 megacidades que existirão já em 2015. A dimensao territorial de megacidades como limite à expansão ilimitada do BRT, a impossibilidade de transporte de bicicletas no BRT, conflitos entre pedestres e ciclistas, assim como relevantes questões relativas à educação para o trânsito foram deixadas um pouco de lado.
Além disso, para cada Peñalosa bem-sucedido, inúmeros outros políticos fazem carreiras fazendo justamente o contrário: cidades para carros. Em São Paulo e nas outras capitais brasileiras, alguns desses políticos até participaram das eleições nesse ano… Mesmo com essas observações, seria bom se os três Bs funcionassem com uma essencial bússola nas secretarias de transporte que existem no Brasil.
Surpresas da semana
1. A Volkswagen ganhou o prêmio de marca mais sustentável da Alemanha. Motivo para isso seria o pioneirsmo da empresa no desenvolvimento de tecnologias amigas do meio ambiente.
2. SP terá garagens para estimular integração entre metrô e carro. A notícia saiu na “Folha de S. Paulo de hoje”. Para quando? “Os primeiros (estacionamentos) serão nas estações Imigrantes, com 117 vagas, provavelmente entre Natal e Ano Novo, e Itaquera, com 587 vagas, no primeiro trimestre de 2009.” O grifo é por minha conta. Não me pergunte se não daria para planejar melhor.
3. “O Estado de S. Paulo” de ontem: CET passa a cumprir lei após 11 anos. “Onze anos após a entrada em vigor do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) anunciou ontem que agora passará a cumprir pontos fundamentais da lei, no que diz respeito à segurança de pedestres.” Continue a ler e tire suas próprias conclusões.
4. E no “Estado” de hoje: Onze anos depois de introduzido o rodízio, a prefeitura foi agora obrigada pela Justiça a sinalizar a área onde vale a restrição. Notícia digna de link.
Originalmente publicado no Planeta Sustentável em 11/12/2008, às 10:20