E então? Já voltou do Carnaval? Aproveitou bastante esses dias? Fez bem quem pulou, sambou, dançou bastante? Fez bem quem usou esse feriado como oportunidade para dar um chega pra lá no sedentarismo, que é um dos problemas mais sérios de saúde pública hoje em dia. Em todas as faixas etárias, em todos os estratos sociais cresce o número de gente acima do peso, com sinais de estresse, com risco elevado de doenças cardiovasculares.
Sedentarismo tem muito a ver com o estilo de vida que a gente leva e também com o tipo de lugar onde a gente vive. Olhe ao seu redor e refilta. Quão longe você mora de uma área aprazível, onde é possível jogar futebol, praticar um cooper ou fazer uma bela caminhada pela manhã ou depois do expediente? Como são os lugares onde as crianças brincam a ceu aberto? Ruas oferecem espaço suficiente e agradável para a movimentação de pessoas?
Áreas verdes e espaços públicos abertos para o lazer e a prática de esportes são uma peça essencial do quebra-cabeça de nossas cidades. No entanto, frequentemente eles são negligenciados. Já houve um tempo em que era importante cuidar dos parques, inaugurar balneários públicos. Mas o que estamos fazendo hoje em dia por uma vida urbana saudável?
Artigo do arquiteto paisagista Hans-Joachim Schemel para a revista Raumplanung toca nesse ponto. Ele pensa em formas de adaptar o espaço público para libertar infâncias do enclausuramento propiciado por computadores e videogames. Quem se movimenta em espaços abertos desenvolve competências psico-sociais, encontra-se com outras pessoas e interage com o meio urbano. Árvores em que se possa subir, morros de terra com até cinco metros de altura, pistas de skate, margens de rios que possibilitem um contato com a água. As ideias em discussão na Alemanha não param por aqui.
Uma cidade saudável pressupõe também apoiar formas saudáveis de mobilidade – para todas as idades. Apesar do discurso bonito a favor da mobilidade sustentável poder ser lido ou ouvido a quatro ventos, a prática costuma apontar para uma direção bem diferente. Para aumentar a fluidez do trânsito motorizado, a movimentação de pedestres é desincentivada e boicotada de diversas formas. Algumas companhias de engenharia de tráfego (de veículos motorizados) se especializaram, ao longo do tempo, em na prática desse boicote. Calçadas são estreitadas, obstacularizadas de diversas formas. Faz-se vista grossa ao desrespeito à faixa de segurança. Os tempos de espera em cruzamentos com semáforos são ajustados para provocar mortes no trânsito. Passeios não são mantidos em boas condições. É assim que o Brasil trata quem se locomove de forma ambientamente amigável. E nós, brasileiros, ainda aceitamos quase sempre quietinhos um delirante número de mortes nas ruas.
A prática do ciclismo urbano é tratada quase como caso de polícia, como ameaça à ordem pública. Quem vai a pé ou de bicicleta é maltratado tanto por alguns motoristas, mas principalmente pelas prefeituras e pelos órgãos de gestão de trânsito – que muitas vezes não têm noção do que é mobilidade sobre duas rodas. Será que o número de pedaladas dentro de academias já é maior do que fora delas?
Sob essas condições e práticas do “planejamento” de transportes, estamos condenados a morrer cedo – seja por atropelamento, por doenças respiratórias ou subitamente, em decorrência do sedentarismo. Reconfigurar as cidades, ampliar o número de áreas verdes e promover outras formas de deslocamento: está aí a base de cidades em que se pode viver com mais saúde.
Originalmente publicado no Planeta Sustentável em 15/03/2011, às 10:49