Desinstalar o “grande irmão” nas cidades

24 10 2010

Como você se sente no espaço público tendo seus movimentos registrados por câmeras de vídeo, sendo constantemente observado? No Brasil, parece que não estamos muito aí para isso. No geral, pensamos que o máximo que pode acontecer é aparecer em algum programa de televisão. Além disso, os altos índices de violência costumam ser álibi para tudo: muros mais altos, cercas elétricas, um exército de seguranças particulares e cada vez mais câmeras.

No outro extremo está a Alemanha, uma das nações mais ferrenhas na defesa de certos direitos civis. O país já conseguiu boicotar um censo demográfico nacional na década de 1980 e, até hoje, a coleta de impressão digital e as propostas de cartões ou documentos únicos são tabus. A adesão a redes sociais como o Orkut, o Facebook ou o Twitter acontece, no geral, com notável atraso e desconfiança em relação a outros países.

Câmeras de vídeo são o símbolo de um brutal ataque a direitos de personalidade. Mesmo assim, elas se fazem cada vez mais presentes no espaço público. Eu mesmo sou vigiado praticamente todos os dias. Basta pegar o metrô ou um ônibus para ser obrigado a deixar a imagem registrada. Até quando vou ao centro comercial do bairro, tenho de ceder minhas imagens a alguma companhia de segurança privada. O “Big Brother” em escala urbana está cada vez mais presente.

Mas a recente instalação de uma câmera de vídeo na região central de Oldenburgo, na Baixa Saxônia, foi a gota d’água que alguns ativistas esperavam. Eles estão convocando a população a trazer ferramentas – alicate, marreta, rebarbadora – para desmontar o equipamento no dia 5 de junho. Se bem que a principal ferramenta para esse desmonte é uma informação divulgada pelo governo daquele estado. Levantamento com 3.345 câmeras constatou que 99% delas funcionam em desconformidade com a legislação de proteção à privacidade. Ou faltam placas do tipo “Sorria, você está sendo filmado” ou os dados gravados não são apagados como deveriam. Até câmeras em provadores de roupas foram encontradas. O estado da Baixa Saxônia – onde o número de câmeras instaladas pelas prefeituras passou de 54, em 2001, para 498 – está sendo chamado de “BigBrother-Wonderland”, o paraíso do patrulhamento.

O assunto toma novas proporções, quando o gigante da internet Google – com o modesto pretexto de querer organizar as informações disponíveis pelo mundo – começou praticamente a “escanear” cidades inteiras e divulgar suas fotos na internet. Com o Google StreetView, pode-se passear virtualmente por ruas de diversos países do mundo… mas não alemãs. A empresa e o governo chegaram a um acordo, e as fotos só poderão começar a ser publicadas, depois que casas, apartamentos, quintais e pessoas receberem um tratamento de imagem e ficarem irreconhecíveis. No Brasil, o relacionamento com o Google é outro. Ninguém faz auê com relação aos direitos individuais. Pelo contrário, o brasileiro tira sarro. O máximo que acontece é a republicação de curiosidades captadas pelo Google, como faz este site. A partir daí, podemos pensar o quanto queremos ser observados no Brasil.

Por que esse assunto interessa ao Pra lá e pra cá? Bem antes do 11 de setembro, segurança é tema obrigatório para conceber cidades brasileiras. Nenhum projeto pode vingar sem dar atenção ao tema que mais preocupa os moradores de áreas urbanas. No entanto, temos reagido a ele na maioria dos casos com uma exagerada fé em tecnologias que dão, no máximo, uma momentânea sensação de segurança. (Como mostra a recente tentativa de atentado terrorista nos Estados Unidos, câmeras podem ajudar a esclarecer atos ilegais – mas não a inibi-los.)

Instalam-se câmeras de vídeo e aparatos de segurança por toda a parte, como se fossem a única solução. Com isso, atropelam-se direitos que deveriam ser melhor protegidos, gastam-se montantes impressionantes no mercado da segurança, mas não se resolve a questão da violência urbana. Sem querer dar as costas para avanços tecnológicos, precisamos pensar com criatividade formas de reconquistar o espaço público e tornar ruas, praças, avenidas, parques mais atrativas tanto para quem mora e circula na cidade. De preferência, sem a companhia de nosso “grande irmão”.

Originalmente publicado no Planeta Sustentável em 06/05/2010, às 12:10.