Confesso que estou adorando estudar Planejamento Urbano na Europa, mas há momentos em que gostaria de estar no Brasil para acompanhar mais de perto alguns debates e projetos. Um deles é o trem-bala, já comentado aqui uma vez e que merece um novo post. Merece um novo post porque, além desse, não há nenhum outro projeto de transporte em discussão que possa trazer tamanho impacto para o modo como os brasileiros se locomovem (ou pelo menos os paulistas e fluminenses, em um primeiro momento). A importância do Trem de Alta Velocidade está expressa na estimativa de seus custos (na casa das dezenas de bilhões de reais), na importância que o governo dá à (aceleração da) obra e, de uma perspectiva mais estratégica, na alta contribuição do setor dos transportes às mudanças climáticas.
Além de pessoas, trens carregam a imagem de meio de transporte sustentável. “Nenhum outro meio transporta pessoas e mercadorias de um modo simultaneamente rápido, seguro e ambientalmente amigável”, argumenta a com razão a companhia de trens na Alemanha, que se orgulha de uma gestão de sustentabilidade conduzida desde 1990. Graças a uma precoce atenção aos impactos do transporte de passageiros sobre o meio ambiente, a companhia cumpre metas de redução de emissão de gases do efeito estufa.
Comparando-se a emissão de dióxido de carbono por pessoa e por quilômetro das modalidades de transporte interurbano de passageiros, o trem é considerado uma boa opção. Os dados variam bastante conforme o método de cálculo, mas o trem (cerca de 50 g CO2/pessoa-quilômetro) fica sempre à frente do carro (140g/p-km) e do avião (de 189 a 369g/p-km). Só o transporte por ônibus traz um saldo ambiental ainda mais positivo (apenas 32g/p-km). Trocando em miúdos, a contribuição do TAV brasileiro ao clima seria reduzir o fluxo de automóveis pela Via Dutra e principalmente o número de decolagens na ponte aérea Rio-São Paulo. De quebra, o TAV aliviaria o gargalo nos aeroportos das duas metrópoles, algo politicamente bastante interessante.
Porém, números não dizem tudo. A viagem em trem de alta velocidade é uma experiência pessoal que consegue fazer concorrência à viagem de automóvel. Isso mostra, por exemplo, o afeto dos franceses pelo TGV (train à grande vitesse), que corta a França a até 320 km/h da costa norte a Mar Mediterrâneo. Ou então as viagens no confortável ICE (InterCity Express) que os alemães realizam desde 1991. Para tornar essas experiências realmente inesquecíveis, as companhias de trem se esforçam em fazer dos trens de alta velocidade uma marca.
No Brasil, o TAV só trará sólidos resultados positivos se forem observados três pontos. Primeiro, o debate técnico precisa ser realizado com honestidade. A tecnologia de levitação – mais vantajosa que o sistema roda-trilho, conforme um especialista da UFRJ – foi sutilmente deixada de lado pelo relatório que dá base ao projeto. Segundo, a consideração dos impactos ambientais precisa ter prioridade sobre a agenda política da obra. Em outras palavras, deixem os “desenvolvimentistas” sonharem com trem-bala em 2014 ou mesmo em 2015. Eu não acredito que poderei viajar ao Rio de Janeiro de trem antes de 2016. E, por fim, o TAV precisa virar uma marca suficientemente forte para fazer com que o recebamos o trem tão bem como recebemos o automóvel no século passado. Trem combina com o Brasil que quer posar por aí como modelo de país sustentável.
Originalmente publicado no Planeta Sustentável em 25/02/2010, às 19:19