Viajar de avião é cada vez mais constrangedor

12 03 2010

Depois desse Natal, foi-se definitivamente o tempo em que se podia relaxar e deixar-se levar em uma viagem de avião. A década do medo nos aeroportos acaba de ser inaugurada, depois que um passageiro supostamente vinculado aos terroristas da Al-Qaeda ameaçou detonar um explosivo no último 25 de dezembro.

Como consequência dessa tentativa de atentado no espaço aéreo dos Estados Unidos, diversos países se mobilizaram e devem instalar ainda neste ano scanners de corpo inteiro em seus aeroportos. Heathrow, em Londres, deve ter esse portal. Quem fizer viagem aos Estados Unidos partindo da Holanda, também terá de se submeter ao equipamento provavelmente ainda neste mês. Com o apoio do sindicato dos policiais, a Alemanha planeja adotar scanners de pessoas de última geração em 2010, talvez com uma fase de teste já em 2009. Deve ser adotado um modelo de scanner que produz imagens com menos nitidez nas áreas íntimas.

Mas esse porém não deveria nos confortar. Ninguém discute que, para a detecção de armas, explosivos e substâncias ilegais, os equipamentos são mais eficazes do que as revistas manuais feitas pelos seguranças. Por outro lado, são bem menos discretos. O que está em jogo não são os requintes tecnológicos do scanner, mas até onde vai essa paranoia de segurança. Aliás, ela já me incomodava muito antes dos novos scanners e das intenções norte-americanas de se proibir totalmente a bagagem de mão. Em Bruxelas, todo mundo tem de desnudar os pés para embarcar. (Lá que eles deveriam oferecer as sandálias da humildade…) Não importa se você está vestindo um par de tênis, sapatos ou chinelos. Outra medida preventiva bem chatinha é a restrição aos transportes de líquidos.

A revista “Der Spiegel” conta o caso de um turista que queria levar para casa uma garrafa de vinho do Porto. A segurança disse que era proibido. Beber ou largar a garrafa ali mesmo no aeroporto. Era um Porto. O sujeito resolveu tirar a garrafa da bagagem e tomar o vinho. Mas a segurança voltou a barrar o passageiro. Porque agora ele estaria bêbado demais…

Além disso, fica cada vez mais difícil fazer uma viagem aérea sem ter que revelar a estranhos que portamos um marcapasso, uma prótese aqui, uma outra ali. Até onde estamos dispostos a abrir mão do direito à privacidade e outras liberdades por conta da segurança?

Claro que os brinquedinhos de segurança não devem ficar só nos aeroportos. Aos poucos, eles se libertam e preenchem outros espaços. Escâneres de corpo apontam a vanguarda dos acessos aos condomínios exclusivos em cidades como São Paulo. Eu mesmo não duvido que, logo mais, terei de aceitar posar nu para o porteiro se quiser visitar um amigo meu.

Em Berlim, um amigo hondurenho teve de mostrar a cueca ao guarda para conseguir o acesso de visitante ao prédio do Parlamento Alemão. Não pense que ele não foi levado a uma sala e ali, com alguma privacidade, revistado. Um monte de gente viu a cor da cueca dele na entrada do saguão do Parlamento. Alguns museus e casas de cultura também são assim: segurança acima de tudo. Por coincidência, justamente nesses lugares as exposições nem costumam ser lá tão boas…

Antes de passar por portas giratórias (e normalmente ficar travado no meio delas), de me ver preso em uma espécie de gaiola antes que uma próxima porta seja aberta ou ter de ser revistado, penso duas vezes se devo seguir adiante. Até porque, como bem lembrou um executivo da Lufthansa, “até hoje nenhum terrorista foi preso, revirando-se bagagens de mão”.

Sei que, em muitos casos, um boicote a voos é impensável e que determinados trajetos são só praticáveis em avião. Mas a paranoia com a segurança (e a inevitável consequência do aumento das filas de embarque) é mais uma razão por que prefiro outros meios de transporte.


Nessa semana, estive tuitando um pouco sobre as anedotas do (anti)planejamento urbano no Brasil. Quatro fatos que merecem sua atenção:

1) Uma rua foi vendida para uma rede de supermercados, em Cuiabá. Mais aqui.

2) “Além dos tradicionais conselhos sobre cuidados com as bolsas, celulares e veículos, a PM passou a orientar neste ano que os turistas do litoral incluam nos procedimentos de segurança a elevação dos muros e mudança de portões de suas casas.” Mais aqui.

3) “Embora o governador do Rio, Sérgio Cabral, tenha defendido a ‘radicalização’ contra a ocupação desordenada das encostas de Angra dos Reis, moradores e ambientalistas de Ilha Grande recolhem, há quatro meses, assinaturas contra um decreto de Cabral que abriu uma brecha para novos imóveis na região.” Mais aqui.

4) “Ao fazer o balanço de sua pasta, Moraes afirmou que os índices de lentidão na cidade do ano passado estão no mesmo patamar de 2007, mas não apresentou números.” Mais aqui.

Originalmente publicado no Planeta Sustentável em 07/01/2010, às 19:38





Ouçam essa mulher!

28 02 2008

Há gente para todos os gostos: saudosistas dos bondes, adoradores do metrô, fãs da bicicleta, aficcionados por motocicletas, os que não trocam andar de carro por nada… Pode ver que você também tem uma quedinha por algum meio de transporte. Por isso, a gente pode passar a vida inteira discutindo qual o melhor meio para a cidade e não chegar a lugar nenhum. Cada um diz o que é mais adequado para sua rotina, tenta convencer os outros com sua utopia de cidade e, na ausência de consenso, tudo fica do jeito que está.

Mas a gente também pode se perguntar como, por quem e para quem são tomadas as decisões sobre transportes na cidade. Seguindo a pista das toneladas de asfalto que cobrem as ruas de São Paulo (inclusive aquelas que outrora eram belas passagens de paralelepípedos ou outras pedras), logo descobrimos as estruturas de poder que determinam como você e eu podemos ou não nos movimentar. É assim que percebemos, por exemplo, que falta alguém para olhar para nossa região metropolitana como um todo, ou seja, para esse conjunto de 39 municípios onde vivem algo em torno de 20 milhões de pessoas.

Exemplo banal: o ônibus intermunicipal, cujas passagens, aliás, acabam de ser reajustadas. Tarifas de ônibus que ligam São Paulo a Osasco ou ao ABC, chamados de intermunicipais, deveriam fazer justiça a quem mora longe. Grande parte da população que mora longe (não estou me referindo a Alphaville) acaba sendo duas vezes vítima: de um processo maluco de crescimento e especulação imobiliária e da ausência de uma política de fato metropolitana para os transportes.

Mais um exemplo? Os táxis para o Aeroporto Internacional de Guarulhos cobram dos passageiros que saem ou que vão para São Paulo um adicional de 50%, por transitarem em municípios diferentes. Como, nesse caso, não há governo nenhum olhando por cima da fronteira de seu território, o absurdo não é resolvido de maneira racional pelo Estado. É precariamente resolvido, por baixo do pano, por alguns taxistas, que, para não perder clientela, livram seus passageiros da cobrança. Usando uma expressão da minha avó: Não é o fim da picada?

A falta de integração metropolitana ajuda a compreender por que ainda estamos longe do razoável em matéria de transportes. Na Europa, a temática metropolitana chegou com força na década de 1960. Na França, regiões metropolitanas foram criadas para fazer um contrapeso a Paris – até então a única grandona do país. Os diversos eixos da política urbana de Londres são tratados de maneira integrada por uma autoridade metropolitana e é assim que questões de mobilidade são tratadas até hoje. Nas grandes cidades da Alemanha, o bilhete de transporte público cobre enormes áreas, abrangendo dezenas de localidades. Não é preciso pagar nada a mais.

Por tudo isso, vale a pena prestar atenção no que Anna Tibaijuka, diretora do UN-Habitat, tem a nos dizer. Se não der tempo para ler toda a entrevista feita pela repórter Adriana Carranca, fique com esse trechinho:

Qual o maior desafio para São Paulo?
No caso de São Paulo, a governabilidade tem se tornado um problema, uma vez que a área urbana se espalhou para além das divisas da cidade. O principal desafio, portanto, é estabelecer uma estrutura metropolitana que responda aos desafios de toda a aglomeração urbana em torno da metrópole. Em outras palavras, você precisa estabelecer uma estrutura de governo local (metropolitano) que trate desses dos problemas em comum – principalmente controle da poluição, transporte, crime e pobreza – de forma estruturada.

Região Metropolitana de São Paulo

 (Na imagem do Google Earth, parte da Região Metropolitana de São Paulo. Você consegue ver onde estão as fronteiras entre os municípios?)

Originalmente publicado no Planeta Sustentável em 28/02/2008, às 02:22





Voar por algumas moedas

7 02 2008

R$ 0,30 chega a custar a viagem de avião para três pessoas da Alemanha para a Inglaterra. Isso mesmo: mais barato que um chiclete, trinta centavos. Não é sorteio, nem presente. A façanha de fazer um vôo internacional sair mais barato do que a passagem de um ônibus urbano está ao alcance de qualquer um que assine a newsletter de uma “companhia aérea barata”. Acontece que trinta centavos é o que os passageiros pagam; o planeta arca com o resto da conta que deveria ser cobrada.

cheap_flights_281x397.jpg

Atravessar fronteiras pelo ar em troca de algumas moedas é uma verdadeira tentação para quem quer viajar rápido e muito, gastando pouco. De executivos a turistas, ninguém quer perder essa boquinha. No ano passado, 48,4 milhões de pessoas viajaram pela RyanAir, outros 37,2 milhões pela EasyJet e 27,8 milhões pela AirBerlin – as três maiores neste nicho. Só para comparar, a tradicional Lufthansa ofereceu assento a 56,4 milhões de passageiros em 2007.

Alguém pode imaginar o perigo que deve ser voar quase de graça em sabe-se-lá qual aeronave. Ledo engano. Duas dessas companhias baratas figuram no topo do ranking das companhias que oferecem os vôos mais seguros. (A tabela considera os acidentes ocorridos nos últimos anos e, por isso, a TAM é a penúltima da lista, entre a Turkish Airlines e a Pakistan International Airlines.)

A verdade é que cresce em um ritmo avassalador o número de viagens das “low cost carriers”. London-Stansted é o terceiro maior aeroporto do Reino Unido. Em 1990, cerca de 2 mil pessoas viajaram diariamente por Stensted, que em 1942 não passava de uma pequena base de apoio aos ataques aéreos dos aliados na Segunda Guerra. Agora, o número diário de passageiros gira em torno de 25 mil. O aeroporto ocupa uma área duas vezes maior que a cidadezinha de 5 mil habitantes de onde veio seu nome. E já está pequeno.

Para acomodar melhor os 23,8 milhões de passageiros que pousam ou decolam em Stensted, uma segunda pista está em planejamento. E a oposição a esse insustentável modo de transporte e de negócio está em atividade (veja que pôster bacana!). Querem preservar um mínimo de silêncio e tranquilidade que ainda existem nas redondezas do aeroporto e, ao mesmo tempo, alertar para a adicional queima de querosene que viria com um aeroporto maior. Não me espantaria se algum representante dessas companhias baratas já tenha dito por aí algo na linha: “Enquanto vocês se encantam com a discussão de como reduzir as emissões de carbono na atmosfera, nós fazemos lucro desse jeito…”

Originalmente publicado no Planeta Sustentável em 07/02/2008, às 14:26