Depois desse Natal, foi-se definitivamente o tempo em que se podia relaxar e deixar-se levar em uma viagem de avião. A década do medo nos aeroportos acaba de ser inaugurada, depois que um passageiro supostamente vinculado aos terroristas da Al-Qaeda ameaçou detonar um explosivo no último 25 de dezembro.
Como consequência dessa tentativa de atentado no espaço aéreo dos Estados Unidos, diversos países se mobilizaram e devem instalar ainda neste ano scanners de corpo inteiro em seus aeroportos. Heathrow, em Londres, deve ter esse portal. Quem fizer viagem aos Estados Unidos partindo da Holanda, também terá de se submeter ao equipamento provavelmente ainda neste mês. Com o apoio do sindicato dos policiais, a Alemanha planeja adotar scanners de pessoas de última geração em 2010, talvez com uma fase de teste já em 2009. Deve ser adotado um modelo de scanner que produz imagens com menos nitidez nas áreas íntimas.
Mas esse porém não deveria nos confortar. Ninguém discute que, para a detecção de armas, explosivos e substâncias ilegais, os equipamentos são mais eficazes do que as revistas manuais feitas pelos seguranças. Por outro lado, são bem menos discretos. O que está em jogo não são os requintes tecnológicos do scanner, mas até onde vai essa paranoia de segurança. Aliás, ela já me incomodava muito antes dos novos scanners e das intenções norte-americanas de se proibir totalmente a bagagem de mão. Em Bruxelas, todo mundo tem de desnudar os pés para embarcar. (Lá que eles deveriam oferecer as sandálias da humildade…) Não importa se você está vestindo um par de tênis, sapatos ou chinelos. Outra medida preventiva bem chatinha é a restrição aos transportes de líquidos.
A revista “Der Spiegel” conta o caso de um turista que queria levar para casa uma garrafa de vinho do Porto. A segurança disse que era proibido. Beber ou largar a garrafa ali mesmo no aeroporto. Era um Porto. O sujeito resolveu tirar a garrafa da bagagem e tomar o vinho. Mas a segurança voltou a barrar o passageiro. Porque agora ele estaria bêbado demais…
Além disso, fica cada vez mais difícil fazer uma viagem aérea sem ter que revelar a estranhos que portamos um marcapasso, uma prótese aqui, uma outra ali. Até onde estamos dispostos a abrir mão do direito à privacidade e outras liberdades por conta da segurança?
Claro que os brinquedinhos de segurança não devem ficar só nos aeroportos. Aos poucos, eles se libertam e preenchem outros espaços. Escâneres de corpo apontam a vanguarda dos acessos aos condomínios exclusivos em cidades como São Paulo. Eu mesmo não duvido que, logo mais, terei de aceitar posar nu para o porteiro se quiser visitar um amigo meu.
Em Berlim, um amigo hondurenho teve de mostrar a cueca ao guarda para conseguir o acesso de visitante ao prédio do Parlamento Alemão. Não pense que ele não foi levado a uma sala e ali, com alguma privacidade, revistado. Um monte de gente viu a cor da cueca dele na entrada do saguão do Parlamento. Alguns museus e casas de cultura também são assim: segurança acima de tudo. Por coincidência, justamente nesses lugares as exposições nem costumam ser lá tão boas…
Antes de passar por portas giratórias (e normalmente ficar travado no meio delas), de me ver preso em uma espécie de gaiola antes que uma próxima porta seja aberta ou ter de ser revistado, penso duas vezes se devo seguir adiante. Até porque, como bem lembrou um executivo da Lufthansa, “até hoje nenhum terrorista foi preso, revirando-se bagagens de mão”.
Sei que, em muitos casos, um boicote a voos é impensável e que determinados trajetos são só praticáveis em avião. Mas a paranoia com a segurança (e a inevitável consequência do aumento das filas de embarque) é mais uma razão por que prefiro outros meios de transporte.
Nessa semana, estive tuitando um pouco sobre as anedotas do (anti)planejamento urbano no Brasil. Quatro fatos que merecem sua atenção:
1) Uma rua foi vendida para uma rede de supermercados, em Cuiabá. Mais aqui.
2) “Além dos tradicionais conselhos sobre cuidados com as bolsas, celulares e veículos, a PM passou a orientar neste ano que os turistas do litoral incluam nos procedimentos de segurança a elevação dos muros e mudança de portões de suas casas.” Mais aqui.
3) “Embora o governador do Rio, Sérgio Cabral, tenha defendido a ‘radicalização’ contra a ocupação desordenada das encostas de Angra dos Reis, moradores e ambientalistas de Ilha Grande recolhem, há quatro meses, assinaturas contra um decreto de Cabral que abriu uma brecha para novos imóveis na região.” Mais aqui.
4) “Ao fazer o balanço de sua pasta, Moraes afirmou que os índices de lentidão na cidade do ano passado estão no mesmo patamar de 2007, mas não apresentou números.” Mais aqui.
Originalmente publicado no Planeta Sustentável em 07/01/2010, às 19:38