Um passarinho me contou…

1 05 2011

Tratar dos problemas cotidianos da forma mais rápida e madura possível. Não empurrar com a barriga o que pode ser resolvido hoje. Não guardar mágoas e ressentimentos… Muitos dos conselhos dados a casais que buscam uma vida a dois mais harmônica bem que poderiam valer para um melhor relacionamento entre usuários e gestores ou operadores do transporte urbano. Ainda mais na era da comunicação rápida e descomplicada e de possibilidades como o Twitter.

Na Alemanha, quem está conectado recebe notícias sobre todo tipo de ocorrência nos trens regionais ou no metrô de Berlim. Se um trecho estiver interditado para obras de manutenção, descobre-se facilmente qual ônibus tomar para realizar o mesmo trajeto.

E no Brasil? Como estamos fazendo uso do Twitter?

Em São Paulo, as principais organizações do transporte coletivo se fazem bem presentes via Twitter. Mas escrevem muito sobre shows e campanhas de saúde pública. Ouvem pouquíssimo as reclamações dos usuários e fornecem raramente informações sobre os imprevistos e eventuais atrasos. Dão com muito atraso as notícias relevantes. (Pelo Twitter, o Metrô ainda não sabe que a estação Butantã será inaugurada na semana que vem…)

Nesta segunda-feira, o Metrô inaugurou um espaço em sua homepage para informar as condições de operação em tempo real. O Twitter também era usado para reproduzir informações como a de que os trens da linha 2 circulavam em velocidade reduzida se estiver chovendo. Sem dúvida, um avanço.

Gradualmente, os passageiros passam a ter acesso a mais informação sobre seu transporte de cada dia. Inclusive porque também estão em massa na internet e no Twitter, e percebem criticamente a letargia dessas empresas em fornecer as informações de que precisam. Abaixo, alguns tweets de gente que usa o transporte público:

  • “o meu bilhete unico ainda nao chegou, ja passaram os 20 dias que eles prometeram e eu continuo pagando 6 reais por dia valeeeeeu #sptrans :/”
  • “Bom dia, e gostaria de agradecer a CPTM pelo meu atraso de hoje… obrigado!”
  • “a linha azul ta com problemas mas o site do metrô mostra que está normal… cadê o estagiário pra atualizar?”
  • “@metrosp_oficial Rotina: metrô insuportável para ir e metrô insuportável para voltar e megaintervalo entre os trens. Linha Verde 2 – #FAIL“

Comunicação honesta e útil em tempo real seria um bom passo para aprofundar a confiança e o respeito entre os ofertantes e os usuários do transporte coletivo urbano. Uma andorinha só não faz primavera. Mas alguns bons tweets de vez em quando, quem sabe?

Originalmente publicado no Planeta Sustentável em 28/03/2011, às 11:50





Pontualidade. Ou seu dinheiro de volta

1 05 2011

Você compra um produto novo e, quando chega em casa, percebe que ele não funciona direito. O que você faz? Volta para a loja, mostra a nota fiscal e exige a troca do produto. Ou seu dinheiro de volta.

Pois é. Mas e com os serviços de transporte urbano? O que acontece quando você compra um bilhete de ônibus e percebe que a qualidade do serviço não satisfaz suas necessidades? Reclama com o motorista? Resmunga no Twitter? Deixa tudo por isso mesmo?

Bem, aqui em Hamburgo, a agência de transportes urbanos começou a dar uma garantia para os usuários de todo sistema da cidade. Quem chega no destino com mais de 20 minutos de atraso recebe metade do preço da passagem de volta. Para isso, basta entrar com um pedido de ressarcimento em um prazo de três dias. O pedido pode ser por telefone ou pela internet. Fácil e descomplicado: basta preencher um formulário.

Não importa se o atraso foi motivado pelo trânsito ruim, por defeito técnico ou por blusa na porta. E tampouco importa quem opera o meio de transporte utilizado. É só descrever o itinerário e, se de fato for comprovado o atraso, esperar para ter o dinheiro de volta. Em Hamburgo, o sistema de transporte público é composto por trens regionais, metrô, ônibus e barcos.

Essa garantia é uma ideia fantástica. Que deve pegar bem, ainda mais em um país como a Alemanha, onde pontualidade é um valor da mais alta importância. Percebo isso quando pego o trem e vejo gente reclamando por questão de dois minutos de atraso.

A medida é nova, começou a valer no mês passado. Não foram divulgadas estatísticas sobre a quantidade de usuários ressarcidos. Mas a iniciativa em si já demonstra a seriosidade com que a cidade procura oferecer um transporte público de qualidade e o respeito com o qual o usuário do sistema é tratado. São fatores fundamentais para aumentar a parcela de uso desses modos em detrimento do transporte motorizado individual.

O contrário disso acontece por exemplo em São Paulo. Na cidade, os reajustes das tarifas de transporte público estão frequentemente acima da inflação e são anunciados de uma hora para outra, sem a contrapartida de ganhos de qualidade para o usuário. Agências que deveriam funcionar para defender o interesse do usuário do transporte público e para promover a integração modal atuam apertadas entre os oligopolistas do setor e interesses políticos muito mais preocupados em melhorar as condições de circulação para a parcela da população que tem automóvel.

Originalmente publicado no Planeta Sustentável em 17/02/2011, às 16:01





Se beber, não pegue ônibus ou metrô

20 03 2011

Subi hoje o trem das 9:14, que, como de costume, só chegou às 9:24. No vagão, cinco mulheres na faixa dos 30 brindam com tacinhas de champanhe alguma coisa boa neste dezembro de tempo horrível. Sento-me ao lado de um passageiro que lê extremamente concentrado uma historinha banal. Alguma coisa errada até aqui?

Por enquanto não. Mas uma ofensiva contra o consumo de álcool em meios de transporte coletivo está em curso na Alemanha. Representantes dos governos de todos os estados federativos avaliam proibir completamente bebidas alcóolicas em ônibus, bondes e trens que servem as cidades alemãs.

As mulheres com champanhe logo pela manhã são uma exceção. Encontro quase todo dia passageiros que, depois de um supostamente duro dia de trabalho, marcam o início do sagrado descanso abrindo uma garrafa e brindando com o colega: “Prost!” Se estiverem sozinhos, não brindam, mas tomam do mesmo jeito. Cerveja faz parte do cotidiano de muita gente e não apenas dos visitantes de uma Oktoberfest.

O consumo moderado de álcool parece não ter nada de problemático. Complicado é ser molestado por algum bêbado dentro de um vagão em movimento. Ou pior: ser molestado por muitos deles, como em dias de jogo de futebol, quando as torcidas – com seus gritos de guerra, cores, hinos e algumas exaltações – emplacam o ritmo do meio de transporte.

A mobilização pela proibição vem na esteira de atos de violência que ocorreram nas dependências de metrôs de diversas cidades alemãs nos últimos tempos. Em Hamburgo, no começo do ano, ataques brutais provocaram a morte de um passageiro e ferimentos graves em outro. Tal proibição já vigora em algumas linhas do trem interurbano. De acordo com a operadora desses trechos, o número de delitos cometidos nos trens caiu 75% com a medida.

Críticos e partidos mais progressistas argumentam que o transporte público não pode limitar as liberdades e padronizar comportamentos, como tem sido feito já desde alguns anos. Proibido escutar música em volume alto, proibido comer comidas quentes, proibido transportar bicicleta nos horários de pico. Mas a maioria dos usuários do transporte público se inclina a aprovar a proibição, ainda que a relação entre álcool e violência não seja tão clara.

Essa discussão mostra uma face recente e cada vez mais importante da gestão de serviços de transporte coletivo, principalmente quando esses serviços precisam, em nome do meio ambiente, tornar-se ainda mais atrativos.

Originalmente publicado no Planeta Sustentável em 02/10/2010, às 14:07





Cotidiano

6 10 2009

Armadilha das maiores para quem gosta do assunto é pensar mobilidade urbana exclusivamente em termos técnicos, como se fazia até há pouco e como se faz ainda hoje em certas rodinhas de engenheiros e de gente ligada ao gerenciamento do tráfego de veículos. Mas o planejamento urbano atual pode incorporar novas dimensões, como narrativas de usuários de meios de transporte urbano e a consideração de experiências pessoais. Hoje deixo aqui meu relato, o relato de alguém que usa, num dia comum, quatro meios de transporte diferentes da porta de casa à universidade. Uma variedade de sensações vem junto com essa rotina, que, admito, às vezes cansa…


O dia começa na correria. Em geral, desço as escadas do prédio às pressas, porque sempre estou à beira do atraso – seja por culpa de uma xícara a mais de chá no café-da-manhã, seja por aquela notícia do jornal, que a gente não consegue parar de ler. No porão, a bicicleta amarela sempre me passa uma falsa sensação de ter os pneus murchos. Já a necessidade de abaixar a cabeça para me adentrar ao porão é uma sensação nada falsa: o galo que minha cabeça ganhou nesta semana que o diga.

Aí, subo com a bicicleta os dois lances de escada até o térreo, passo com a bicicleta na estreita passagem entre o apartamento do térreo e as escadas. É exatamente nessa passagem que também fica estacionado um carrinho de bebê, que me força a fazer algum malabarismo com a bicicleta, a ficar tentado jogar alguma mandinga à mãe do bebê com seu carrinho e, por fim, a desistir disso ao pensar na difícil situação de quem tem bebê, carrinho e gente impaciente ao seu redor. De qualquer modo, quando chego à porta exterior do prédio, já dou meu aquecimento por completo.

Começo a pedalar já na calçada – o que é, no fundo, incorreto. Mas logo vou para o leito da rua. É uma delícia dar umas três ou quatro pedaladas e soltar a bicicleta na leve ladeira de uma das raras vias forradas de paralelepípedos, desses que chacoalham a bicicleta a ponto de se ouvir a campainha. Se necessário, os paralelepípedos também acordam de vez o condutor. Na esquina, lembro-me da regra número um do trânsito na Alemanha: quem vem da direita tem a preferência. Por isso, freio. Depois, busco energia para seguir por uma bizarra rua de mão dupla, paralela à linha de trem, por onde não passam dois carros. Projetaram a largura da rua de propósito para os carros não andarem tão rápido nessa zona residencial. Mesmo assim, alguns pisam fundo, 50 km/h, talvez 60 km/h. Um metro e meio de distância de ciclistas? Quase nunca.

Trafego pela área dedicada a bicicletas sobre a calçada até o sinal. Depois cruzo o calçadão, onde até certo tempo atrás tinha medo de fazer algo errado. Medo de pedalar entre a massa de gente que costuma atravessar o calçadão, e ser advertido. Só perdi esse medo quando achei a placa com a inscrição “Permitido andar de bicicleta”. A Alemanha adora placas e espera-se de todos (até mesmo de turistas) que elas sejam lidas e respeitadas. Na minha viagem até a universidade, encontro várias delas: umas úteis, outras estúpidas e, numa terceira categoria, as medonhas. (Acho que ainda escreverei sobre isso num dia desses.)

Minha próxima missão consiste em encontrar um lugar para estacionar a bicicleta. A estação de trem está em reforma, metade das vagas foram extintas. Há dias em que não se encontra um único poste livre. Paraciclos então, nem pensar. O mais comum é eu passar o cadeado num beco pouco atrativo e meio perigoso, de onde ladrões quase já levaram meu meio de transporte.

Aí pego o trem. É um trem interestadual vermelho, de dois andares. Na propaganda, eles dizem que o trem faz até 160 km/h. Na prática, ele sempre chega atrasado. Dois, três, às vezes dez minutos atrasado – o que já é um escândalo por aqui. Pior que o atraso, só mesmo é o cada-um-por-si para entrar no trem. Na maior cara-de-pau, as pessoas se colocam exatamente a sua frente para embarcar primeiro. Quando isso acontece, dou o troco na mesma moeda e faço o mesmo.

A viagem até a estação central de Hamburgo dura 10 minutos. É um tempo longo o bastante para não se fazer nada e curto o bastante para começar a ler alguma coisa boa. Em geral, opto pela segunda alternativa e saio com o que estiver lendo na mão. Na estação central, subo e desço em escadas apertadas, sujas e cheias de propaganda nas paredes. São corredores, plataformas e acessos estreitos, que não suportam tanta gente.

Aí embarco no metrô, que segue para o sul, por cima do rio. Para o metrô, não se precisa passar em catraca e o bilhete é raramente controlado. Além disso, a viagem dá praticamente direito a um concerto: basta sentar-se ao lado de algum moleque ou marmanjo. Ele está com fones espetados nos ouvidos, mas ouve alguma coisa em volume que daria para fazer festa no vagão. De hard rock a música oriental, já ouvi muita coisa, mas bom gosto musical é coisa rara.

Quando desembarco do metrô, preciso correr, se quiser pegar o ônibus da linha 142. Este é pontual e sai sempre alguns segundos depois que o metrô chega. Se não consigo, posso caminhar os cerca de 400 metros até meu destino ou acompanhar, pelo painel eletrônico instalado no ponto, o tempo que falta para o próximo veículo chegar. O ônibus é bem mais confortável, silencioso e limpo do que o metrô. E o melhor: informa por meio de letreiro e aviso sonoro qual a próxima estação. Assim, fica até difícil deixar de descer no ponto certo.

Tudo dura cerca de uma hora. Nela, vejo a cidade de diversas formas. Como ciclista, percebo o movimento de automóveis e de pessoas, sinto a textura do chão, vivo as condições do tempo. No trem, espelho-me em gente que migra para trabalhar, deixo para trás paisagens e bairros inteiros num piscar de olhos. No metrô, miro o rio e reflito sobre pessoas. No ônibus, estou quase lá, procuro me arrumar e me organizar para o dia que já começou faz tempo.

Originalmente publicado no Planeta Sustentável em 17/09/2009, às 17:44