Nenhum transporte é sustentável

15 05 2011

A verdade é que hoje não temos nenhum meio de transporte sustentável. Temos, isso sim, sistemas e infraestruturas de transporte poluidores, que contribuem para a mudança climática, que provoca acidentes e que dividem as cidades.

É dessa premissa fria e dura que partiu um grupo de pesquisadores da Sociedade Fraunhofer para escrever o estudo VIVER – Visão para um transporte sustentável na Alemanha, divulgado nesta semana. A Frauenhofer é uma das maiores e mais respeitadas instituições de pesquisa e desenvolvimento da Europa. VIVER apresenta um transporte de pessoas nas cidades bastante diferente do que conhecemos.

Principais resultados desse trabalho que envolveu engenheiros, economistas, planejadores urbanos e de transportes e psicólogos: São necessárias algumas mudanças radicais nos transportes para que se possa falar em sustentabilidade. E a juventude será protagonista desta mudança fundamental no modo como nos deslocamos.

Na verdade, essa mudança começou a acontecer. Quem nasceu depois de 1980 – dizem os autores – já vê o automóvel de outro jeito: não mais como símbolo de liberdade e sucesso, mas como apenas uma opção de transporte entre tantas outras. E uma opção ligeiramente diferente da que conhecemos hoje em dia. As inovações que vêm no rastro da escassez dos combustíveis fósseis tornarão o automóvel muito mais eficiente. Dominarão a cena em 2050 pequenos e leves automóveis que podem ser abastecidos na tomada de casa. Isso mesmo: automóveis 50% mais leves graças à nanotecnologia.

Além disso, ganha força a tendência usar em vez de ter: as bicicletas públicas que podem ser alugadas por curtos períodos e o compartilhamento de carros são soluções que, combinadas com as opções de transporte coletivo, oferecem uma flexibilidade muito maior do que a posse de um automóvel. Paga-se só pelo que se usa. As possibilidades de combinação inteligente entre esses meios de transporte em ambientes urbanos compactos são o principal trunfo da mobilidade sustentável, conforme os especialistas. Por falar em bicicleta: “Não existirão em 2050 cidades ou regiões, nas quais o uso da bicicleta é árduo.”

Enfim: Sabe aquela coisa de ter dois (ou mais) carros na garagem, ir para o trabalho de carro, sair de férias de carro, ir para a padaria de carro… Isso será logo passado. Mas, se não o automóvel, qual o meio de transporte dominante no futuro? Vários ao mesmo tempo. “Cada vez mais pessoas utilizarão uma oferta multimodal de transporte”, aponta o estudo.

Outra tendência é a desaceleração. Correr para quê? Limites de velocidades de 120 km/h nas autoestradas e 30 km/h nas áreas urbanas tornam o trânsito muito mais eficiente. “Quem quiser chegar mais rápido, que pegue um trem de alta velocidade”, aconselha um dos autores do estudo ao jornal Süddeutsche Zeitung.

De acordo com o periódico, a visão dos pesquisadores é bastante realista. Pode ser realista para a Alemanha. Será que também é realista para o Brasil? Estamos mesmo dispostos a investir e a desenvolver um transporte verdadeiramente sustentável? Estamos sensibilizados suficientemente para esse assunto? Qual a melhor maneira de nos preparar para os desafios sociais, econômicos, energéticos e ambientais que conhecemos? Inquietante neste momento é a sensação de que há muita gente se esquivando da elaboração de estratégias para a sustentabilidade do transporte nas cidades brasileiras.

Originalmente pulicado no Planeta Sustentável em 08/04/2011, às 10:34





Mutações do Metrô de SP

1 05 2011

Na segunda-feira, foi inaugurada a estação Butantã da linha 4 do metrô de São Paulo. Mais um passo adiante na expansão da rede, em direção à zona oeste. E mais um passo atrasado com relação ao originalmente planejado. O descumprimento dos prazos na construção do metrô é tão flagrante, que ninguém mais acredita nas promessas.

A linha 4 tem um papel importante na rede paulistana. Ela ligará as linhas 1, 2 e 3, dando ao metrô de São Paulo atributos de uma verdadeira rede. A atratividade do transporte público depende muito da existência e do bom funcionamento dessa rede, com um número razoável de estações de transferência. Ampliar o número de possíveis conexões representa um ganho de qualidade, que costuma ser muito reconhecido pelos passageiros.

Mas a grande novidade é que a Linha 4 está sendo construída no âmbito da primeira parceria público-privada do Brasil. A parceria foi firmada no final de 2006 com a justificativa de deslanchar o desenvolvimento do transporte metropolitano, já que o governo estadual não poderia mais se endividar. Pelo acordo, a ViaQuatro se compromete a investir na aquisição dos trens e administrar a mais moderna linha de metrô da cidade por 30 anos. O poder público se encarrega da construção de estações e de boa parte da linha. O envolvimento da iniciativa privada também foi uma exigência do Banco Mundial e do Japan Bank of International Cooperation, que emprestaram dinheiro para as obras da linha 4. A parceria colocou o metrô nos trilhos de um novo modelo de financiamento, mas não o salvou dos atrasos na execução das obras.

O atual modelo de negócios do metrô envolve, além da participação da iniciativa privada na construção e na operação de linhas, a abertura de shopping centers integrados a estações de metrô e a comercialização de espaços internos. Trens e estações são hoje em dia vistos como suporte para mensagens publicitárias e para o comércio. Vestimentas, panetones, livros, sorvetes, celulares… O que mais pode ser comprado em uma estação de metrô? Além disso, o metrô fatura também com as mensagens eletrônicas que circulam sem parar no interior dos trens. As chamadas “receitas não-tarifárias” mais do que dobraram nos últimos cinco anos. E a tendência é aumentar ainda mais.

Até que ponto o metrô pode e deve buscar diversificar suas atividades e fontes de renda e até que ponto o metrô deve se concentrar na oferta de um transporte eficiente e pouco poluente? Esses objetivos estão em contradição ou há sinergias entre eles? As milionárias receitas não-tarifárias melhoraram a situação financeira do Metrô? Essas são algumas sugestões de perguntas a todos aqueles que desejam mais transporte de qualidade na metrópole de São Paulo.

Originalmente publicado no Planeta Sustentável em 01/04/2011, às 16:35





Um passarinho me contou…

1 05 2011

Tratar dos problemas cotidianos da forma mais rápida e madura possível. Não empurrar com a barriga o que pode ser resolvido hoje. Não guardar mágoas e ressentimentos… Muitos dos conselhos dados a casais que buscam uma vida a dois mais harmônica bem que poderiam valer para um melhor relacionamento entre usuários e gestores ou operadores do transporte urbano. Ainda mais na era da comunicação rápida e descomplicada e de possibilidades como o Twitter.

Na Alemanha, quem está conectado recebe notícias sobre todo tipo de ocorrência nos trens regionais ou no metrô de Berlim. Se um trecho estiver interditado para obras de manutenção, descobre-se facilmente qual ônibus tomar para realizar o mesmo trajeto.

E no Brasil? Como estamos fazendo uso do Twitter?

Em São Paulo, as principais organizações do transporte coletivo se fazem bem presentes via Twitter. Mas escrevem muito sobre shows e campanhas de saúde pública. Ouvem pouquíssimo as reclamações dos usuários e fornecem raramente informações sobre os imprevistos e eventuais atrasos. Dão com muito atraso as notícias relevantes. (Pelo Twitter, o Metrô ainda não sabe que a estação Butantã será inaugurada na semana que vem…)

Nesta segunda-feira, o Metrô inaugurou um espaço em sua homepage para informar as condições de operação em tempo real. O Twitter também era usado para reproduzir informações como a de que os trens da linha 2 circulavam em velocidade reduzida se estiver chovendo. Sem dúvida, um avanço.

Gradualmente, os passageiros passam a ter acesso a mais informação sobre seu transporte de cada dia. Inclusive porque também estão em massa na internet e no Twitter, e percebem criticamente a letargia dessas empresas em fornecer as informações de que precisam. Abaixo, alguns tweets de gente que usa o transporte público:

  • “o meu bilhete unico ainda nao chegou, ja passaram os 20 dias que eles prometeram e eu continuo pagando 6 reais por dia valeeeeeu #sptrans :/”
  • “Bom dia, e gostaria de agradecer a CPTM pelo meu atraso de hoje… obrigado!”
  • “a linha azul ta com problemas mas o site do metrô mostra que está normal… cadê o estagiário pra atualizar?”
  • “@metrosp_oficial Rotina: metrô insuportável para ir e metrô insuportável para voltar e megaintervalo entre os trens. Linha Verde 2 – #FAIL“

Comunicação honesta e útil em tempo real seria um bom passo para aprofundar a confiança e o respeito entre os ofertantes e os usuários do transporte coletivo urbano. Uma andorinha só não faz primavera. Mas alguns bons tweets de vez em quando, quem sabe?

Originalmente publicado no Planeta Sustentável em 28/03/2011, às 11:50





Pontualidade. Ou seu dinheiro de volta

1 05 2011

Você compra um produto novo e, quando chega em casa, percebe que ele não funciona direito. O que você faz? Volta para a loja, mostra a nota fiscal e exige a troca do produto. Ou seu dinheiro de volta.

Pois é. Mas e com os serviços de transporte urbano? O que acontece quando você compra um bilhete de ônibus e percebe que a qualidade do serviço não satisfaz suas necessidades? Reclama com o motorista? Resmunga no Twitter? Deixa tudo por isso mesmo?

Bem, aqui em Hamburgo, a agência de transportes urbanos começou a dar uma garantia para os usuários de todo sistema da cidade. Quem chega no destino com mais de 20 minutos de atraso recebe metade do preço da passagem de volta. Para isso, basta entrar com um pedido de ressarcimento em um prazo de três dias. O pedido pode ser por telefone ou pela internet. Fácil e descomplicado: basta preencher um formulário.

Não importa se o atraso foi motivado pelo trânsito ruim, por defeito técnico ou por blusa na porta. E tampouco importa quem opera o meio de transporte utilizado. É só descrever o itinerário e, se de fato for comprovado o atraso, esperar para ter o dinheiro de volta. Em Hamburgo, o sistema de transporte público é composto por trens regionais, metrô, ônibus e barcos.

Essa garantia é uma ideia fantástica. Que deve pegar bem, ainda mais em um país como a Alemanha, onde pontualidade é um valor da mais alta importância. Percebo isso quando pego o trem e vejo gente reclamando por questão de dois minutos de atraso.

A medida é nova, começou a valer no mês passado. Não foram divulgadas estatísticas sobre a quantidade de usuários ressarcidos. Mas a iniciativa em si já demonstra a seriosidade com que a cidade procura oferecer um transporte público de qualidade e o respeito com o qual o usuário do sistema é tratado. São fatores fundamentais para aumentar a parcela de uso desses modos em detrimento do transporte motorizado individual.

O contrário disso acontece por exemplo em São Paulo. Na cidade, os reajustes das tarifas de transporte público estão frequentemente acima da inflação e são anunciados de uma hora para outra, sem a contrapartida de ganhos de qualidade para o usuário. Agências que deveriam funcionar para defender o interesse do usuário do transporte público e para promover a integração modal atuam apertadas entre os oligopolistas do setor e interesses políticos muito mais preocupados em melhorar as condições de circulação para a parcela da população que tem automóvel.

Originalmente publicado no Planeta Sustentável em 17/02/2011, às 16:01