Restrospectiva

12 03 2010

Na semana passada apresentei algumas idéias para a metrópole do transporte sustentável. Hoje, trago a primeira parte de uma breve restrospectiva de 2009. Relembremos acontecimentos importantes na área de mobilidade urbana em São Paulo. Com ela, quero mostrar o quão longe está nossa cidade de uma transformação profunda de nossa cultura de mobilidade.

Janeiro
Morte da Márcia Regina. A massagista, ciclista convicta e experiente, morreu na Avenida Paulista, no dia 14. Márcia tornou-se um forte símbolo de luta entre os cicloativistas da cidade.
Aniversário de São Paulo. Ciclistas protestam sobre a ponte Octavio Frias de Oliveira, construída exclusivamente para o trânsito de automóveis.

Fevereiro
Início da inspeção veicular. Em tese, uma vitória dos ecologistas. Mas, afora os atrasos e as suspeitas acerca da idoneidade da Controlar (a empresa responsável pela fiscalização na capital), os carros mais antigos e mais poluidores são liberados do teste. O que seria sustentável: seriedade e vontade política para inspecionar a frota em circulação no país.
Desinformação por telefone. O novo número para informações sobre o trânsito paulistano é 1188. Mas na semana da estreia, reportava um jornal: “Serviço 1188 erra e induz a infrações”. Passado um ano, os atendentes transmitiam informações incorretas sobre a volta do rodízio na cidade. O que seria sustentável: garantir a qualidade das informações prestadas ao cidadão.
Reajuste das tarifas do metrô e dos trens metropolitanos. O preço do bilhete unitário sobe para R$ 2,55 no dia 9. O aumento é menor do que a inflação acumulada, mas suficiente para manter São Paulo no topo da lista das viagens de metrô mais caras do mundo. O que seria sustentável: por em prática uma política tarifária condizente com o objetivo de garantir a igualdade de oportunidades aos cidadãos, independentemente de sua condição de possuidores ou não de automóvel particular.
Perigo no ar. O jornal “Folha de S. Paulo” informa que 40 helipontos em São Paulo receberam dos órgãos competentes autorização para operar, apesar de irregularidades que podem provocar acidentes. A cidade de São Paulo tem uma das maiores frotas de helicópteros do mundo. O que seria sustentável: elaborar um plano integrado de transporte urbano que abranja também o espaço aéreo da cidade, evitando que o caos nas ruas seja exportado para os ares.
Multas modernas. A CET divulga que os marronzinhos utilizarão a partir de abril computadores de mão e radiocomunicadores que transmitem em tempo real informações sobre infrações e acidentes de trânsito. O custo do serviço, faturado pela Vivo, é de quase R$ 100 mil por mês.
Buracos por hora. A reportagem de “O Estado de S. Paulo” perguntou e a Prefeitura respondeu: em média, surge um buraco a cada 50 segundos nas vias da cidade. A Prefeitura admite que não dá conta do recado. O que seria sustentável: que a prefeitura apresentasse seu plano de pavimentação, deixando claro ao cidadão por quais ruas se pode trafegar.

Março
Ciclistas pelados. Tirando a roupa, chamaram de novo a atenção para a condição de vulnerabilidade e insegurança que vivenciam ao pedalar na cidade. Ao contrário de 2007, desta vez ninguém foi detido pela polícia. O que seria sustentável: Alguém ter olhado para os ciclistas como participantes do trânsito da cidade e não simplesmente como gente pelada.

Abril
Rodoanel mata. Publicada a notícia de que mais de cem animais que habitam a Mata Atlântica, em parte ameaçados de extinção, morreram durante a construção do trecho sul da obra viária. A reportagem do “Estado” informa sobre bichos mutilados, queimados… “Para gerente da Dersa, culpa é da natureza”, informa o jornal. O que seria sustentável: averiguar se o governo estadual tem condições técnicas de executar o projeto com respeito à natureza.
Rotatórias verdes. A revista “Quatro Rodas” traz um texto simpático ao crescente número de cruzamentos que recebe grama em vez de concreto. Contribuem para aumentar a área permeável da cidade e são mais visíveis que as tradicionais. O que seria sustentável: com base nessa experiência, avaliar todas as áreas do sistema viário e esverdear tudo o que for possível.
Corredores esquecidos. Entre 2005 e 2008 deixaram de ser investidos em corredores de ônibus R$ 715 milhões em São Paulo. No período, apenas o Expresso Tiradentes foi inaugurado. O que seria sustentável: dar prioridade ao transporte coletivo.

Maio
Flanelinhas, valets & Co. Reservando ilegalmente vagas de estacionamento das ruas para seus clientes, faturam até R$ 4.500 por mês. O que seria sustentável: proibir ou regulamentar; jamais fechar os olhos.
Custo dos acidentes no estado de São Paulo. O Sistema Único de Saúde gastou R$ 35 milhões em 2008 em função de acidentes de trânsito. Metade das cerca de 8.700 vítimas fatais eram pedestres com mais de 60 anos. O que seria sustentável: preocupar-se mais com seres humanos.

Junho
Semáforos burros. A cada cinco semáforos na capital, um é inteligente. Ou melhor, poderia ser, já que só 27% dos mais de 1.200 equipamentos funcionam – percentual vexaminoso para uma cidade com o trânsito como o paulistano. Os demais estão desativados e não programam os tempos de verde e vermelho conforme o fluxo de veículos. Desde 2007 a CET fala em revitalizar a rede semafórica. O que seria sustentável: Semáforos inteligentes em funcionamento sobretudo para favorecer o trânsito de pedestres e bicicletas. Porque caso contrário, eles não são verdadeiramente inteligentes…
Restrição aos fretados. “Com o objetivo de organizar a atividade”, defende-se a Prefeitura. Para aliviar o trânsito, estima-se menos 1.300 ônibus por dia na área central da cidade. O que seria sustentável: focar as medidas de restrição no automóvel particular antes de direcionar a restrição a formas de transporte coletivo (ainda que privado).

Originalmente publicado no Planeta Sustentável em 21/01/2010, às 20:09