Retrospectiva 2

12 03 2010

Por motivo de espaço, não consegui concluir a retrospectiva que comecei na semana passada. Mas achei que valeria a pena continuá-la. Além de refrescar nossa memória, é um bom ponto de partida para entender o que há de bom e de nem tão bom acontecendo em São Paulo. Seguimos de julho a dezembro:

Julho
Flanelinha legal. No Distrito Federal, a profissão dos lavadores e guardadores de carros foi regulamentada. A proposta consiste em cadastrar os trabalhadores e qualificá-los. O motorista identifica os flanelinhas adequados à legislação pelos coletes verdes, entregues aos que cumprem todas as exigências. O que seria sustentável: definir a situação dos flanelinhas em outras cidades. Lugar de malandro não é na rua.

Mototáxi em São Paulo. Para fugir do trânsito, uma opção clandestina e perigosa ganha espaço no trânsito da capital. “Você escolhe se quer mais ou se quer menos rápido. De qualquer forma, vai ser mais rápido do que de carro”, justifica um mototaxista para a reportagem da “Folha de S. Paulo”. O que seria sustentável: coibir as formas de clandestinidade, em especial as que equivalem a um convite para um suicídio.

Ônibus a hidrogênio. Anunciado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento que o ônibus iniciaria a operação comercial no corredor São Mateus-Jabaquara em agosto. Silencioso e ecológico, mas ainda relativamente caro. O que seria sustentável: avaliar a eficiência do ônibus a hidrogênio e definir uma estratégia para dar escala a meios de transporte movidos com tecnologias limpas e renováveis.

Fretados: Logo que o prefeito anunciou que os fretados seriam a bola da vez, recebeu a oposição de usuários, empresários do setor e prefeitos de municípios vizinhos. A restrição entrou em vigor no dia 27. O que seria sustentável: restrições desse tipo são de óbvio âmbito metropolitano. Em São Paulo, quase tudo foi tratado dentro da Prefeitura.

Agosto
Trem-bala. Começa a ser mais debatido e também criticado o projeto de conectar São Paulo e Rio de Janeiro por trens de alta velocidade. Mas a qual custo? Em quanto tempo? Com qual tecnologia? Superará o projeto os “obstáculos” ambientais? Até agora todas essas perguntas aguardam respostas. O que seria sustentável: ensinar o governo federal a tomar decisões estratégicas relativas ao modo e à fonte de energia no âmbito de um plano de transporte de longas distâncias. Será que o pessoal em Brasília um dia aprende?

Setembro
Corrupção urbanística. Seis servidores da Prefeitura são acusados de liberar ilegalmente alvarás de construção a empreiteiras. O Ministério Público Estadual investiga o caso – certamente longe de ser o único em São Paulo.

Ônibus mais caro em 2010. A Prefeitura estava injetando dinheiro público demais nas companhias de ônibus e o prefeito optou, desta vez, pelo reajuste. O tamanho do aumento só ficou claro mais tarde: de R$ 2,30 a R$ 2,70. O que seria sustentável: evitar o uso político da tarifa de ônibus (segura em ano eleitoral e dispara quando o prefeito quer).

Ranking do Ministério. O governo federal começa a publicar um ranking dos carros poluidores. Um importante primeiro passo para dar mais transparência ao assunto. O que seria sustentável: maior severidade para a obtenção de informações junto à indústria automobilística.

Outubro
Zona Azul mais cara. Assim que o aumento de R$ 1,80 para R$ 3 foi anunciado, os talões sumiram. Postos oficiais de revenda cobravam ilegalmente ágio das folhas antigas. Uma sindicância também apontou irregularidades na logística de distribuição e venda das folhas.

Lotação. Metrô registrou movimento recorde de 3.633.883 usuários no dia 9 de outubro. Dias antes, o Metrô havia tentado liberar aos poucos o acesso à plataforma de embarque na estação da Sé.

Cadê a prioridade? Citando o jornal “O Estado de S. Paulo”: “Apesar de liberar R$ 20 bilhões para o plano de expansão na área de transportes, a gestão José Serra (PSDB) deve chegar ao fim sem entregar por completo nenhum dos três corredores de ônibus previstos para a Região Metropolitana de São Paulo.”

Dois novos terminais. É a promessa do Prefeito: mais dois terminais rodoviários, um na zona leste e outro na oeste, devem começar a ser construídos em 2011. Os terminais devem ser integrados a estações de metrô. O que seria sustentável: aproveitar a oportunidade para alavancar o desenvolvimento nos arredores de onde serão instalados os terminais e pensar em formas combinadas de promover o transporte sustentável.

Nova Marginal. As primeiras pistas são abertas ao trânsito. A obra é o mais forte ícone de descaso ao meio ambiente em 2009.

Dezembro
Taxi Amigão. Com iniciativa da Prefeitura, viagens são 30% mais baratas nas noites de sexta, sábado e domingo com os taxistas que se cadastram voluntariamente.

Gargalo aéreo. Os aeroportos das cidades que sediarão jogos da Copa de 2014 já operam no limite.

Originalmente publicado no Planeta Sustentável em 28/01/2010, às 11:48





Restrospectiva

12 03 2010

Na semana passada apresentei algumas idéias para a metrópole do transporte sustentável. Hoje, trago a primeira parte de uma breve restrospectiva de 2009. Relembremos acontecimentos importantes na área de mobilidade urbana em São Paulo. Com ela, quero mostrar o quão longe está nossa cidade de uma transformação profunda de nossa cultura de mobilidade.

Janeiro
Morte da Márcia Regina. A massagista, ciclista convicta e experiente, morreu na Avenida Paulista, no dia 14. Márcia tornou-se um forte símbolo de luta entre os cicloativistas da cidade.
Aniversário de São Paulo. Ciclistas protestam sobre a ponte Octavio Frias de Oliveira, construída exclusivamente para o trânsito de automóveis.

Fevereiro
Início da inspeção veicular. Em tese, uma vitória dos ecologistas. Mas, afora os atrasos e as suspeitas acerca da idoneidade da Controlar (a empresa responsável pela fiscalização na capital), os carros mais antigos e mais poluidores são liberados do teste. O que seria sustentável: seriedade e vontade política para inspecionar a frota em circulação no país.
Desinformação por telefone. O novo número para informações sobre o trânsito paulistano é 1188. Mas na semana da estreia, reportava um jornal: “Serviço 1188 erra e induz a infrações”. Passado um ano, os atendentes transmitiam informações incorretas sobre a volta do rodízio na cidade. O que seria sustentável: garantir a qualidade das informações prestadas ao cidadão.
Reajuste das tarifas do metrô e dos trens metropolitanos. O preço do bilhete unitário sobe para R$ 2,55 no dia 9. O aumento é menor do que a inflação acumulada, mas suficiente para manter São Paulo no topo da lista das viagens de metrô mais caras do mundo. O que seria sustentável: por em prática uma política tarifária condizente com o objetivo de garantir a igualdade de oportunidades aos cidadãos, independentemente de sua condição de possuidores ou não de automóvel particular.
Perigo no ar. O jornal “Folha de S. Paulo” informa que 40 helipontos em São Paulo receberam dos órgãos competentes autorização para operar, apesar de irregularidades que podem provocar acidentes. A cidade de São Paulo tem uma das maiores frotas de helicópteros do mundo. O que seria sustentável: elaborar um plano integrado de transporte urbano que abranja também o espaço aéreo da cidade, evitando que o caos nas ruas seja exportado para os ares.
Multas modernas. A CET divulga que os marronzinhos utilizarão a partir de abril computadores de mão e radiocomunicadores que transmitem em tempo real informações sobre infrações e acidentes de trânsito. O custo do serviço, faturado pela Vivo, é de quase R$ 100 mil por mês.
Buracos por hora. A reportagem de “O Estado de S. Paulo” perguntou e a Prefeitura respondeu: em média, surge um buraco a cada 50 segundos nas vias da cidade. A Prefeitura admite que não dá conta do recado. O que seria sustentável: que a prefeitura apresentasse seu plano de pavimentação, deixando claro ao cidadão por quais ruas se pode trafegar.

Março
Ciclistas pelados. Tirando a roupa, chamaram de novo a atenção para a condição de vulnerabilidade e insegurança que vivenciam ao pedalar na cidade. Ao contrário de 2007, desta vez ninguém foi detido pela polícia. O que seria sustentável: Alguém ter olhado para os ciclistas como participantes do trânsito da cidade e não simplesmente como gente pelada.

Abril
Rodoanel mata. Publicada a notícia de que mais de cem animais que habitam a Mata Atlântica, em parte ameaçados de extinção, morreram durante a construção do trecho sul da obra viária. A reportagem do “Estado” informa sobre bichos mutilados, queimados… “Para gerente da Dersa, culpa é da natureza”, informa o jornal. O que seria sustentável: averiguar se o governo estadual tem condições técnicas de executar o projeto com respeito à natureza.
Rotatórias verdes. A revista “Quatro Rodas” traz um texto simpático ao crescente número de cruzamentos que recebe grama em vez de concreto. Contribuem para aumentar a área permeável da cidade e são mais visíveis que as tradicionais. O que seria sustentável: com base nessa experiência, avaliar todas as áreas do sistema viário e esverdear tudo o que for possível.
Corredores esquecidos. Entre 2005 e 2008 deixaram de ser investidos em corredores de ônibus R$ 715 milhões em São Paulo. No período, apenas o Expresso Tiradentes foi inaugurado. O que seria sustentável: dar prioridade ao transporte coletivo.

Maio
Flanelinhas, valets & Co. Reservando ilegalmente vagas de estacionamento das ruas para seus clientes, faturam até R$ 4.500 por mês. O que seria sustentável: proibir ou regulamentar; jamais fechar os olhos.
Custo dos acidentes no estado de São Paulo. O Sistema Único de Saúde gastou R$ 35 milhões em 2008 em função de acidentes de trânsito. Metade das cerca de 8.700 vítimas fatais eram pedestres com mais de 60 anos. O que seria sustentável: preocupar-se mais com seres humanos.

Junho
Semáforos burros. A cada cinco semáforos na capital, um é inteligente. Ou melhor, poderia ser, já que só 27% dos mais de 1.200 equipamentos funcionam – percentual vexaminoso para uma cidade com o trânsito como o paulistano. Os demais estão desativados e não programam os tempos de verde e vermelho conforme o fluxo de veículos. Desde 2007 a CET fala em revitalizar a rede semafórica. O que seria sustentável: Semáforos inteligentes em funcionamento sobretudo para favorecer o trânsito de pedestres e bicicletas. Porque caso contrário, eles não são verdadeiramente inteligentes…
Restrição aos fretados. “Com o objetivo de organizar a atividade”, defende-se a Prefeitura. Para aliviar o trânsito, estima-se menos 1.300 ônibus por dia na área central da cidade. O que seria sustentável: focar as medidas de restrição no automóvel particular antes de direcionar a restrição a formas de transporte coletivo (ainda que privado).

Originalmente publicado no Planeta Sustentável em 21/01/2010, às 20:09